Um ponto dentro da curva

STF

O Ministro Celso de Mello merece todo o respeito e consideração. É um homem bem formado e de sua erudição ninguém duvida. É o decano insuspeito de um tribunal constituído, em tese, por vestais investidas de notório saber jurídico. Talvez o único com autoridade moral para sustentar uma decisão como a desta quarta-feira.  Coubesse a Lewandosky ou Tóffoli o desempate do Mensalão, o mundo teria vindo abaixo.

Por todas essas razões, não havia ninguém melhor nem mais qualificado para cumprir a tarefa de devolver ao STF seu papel histórico, trazer o ponto para “dentro da curva”, acabar com a inflexão e o atrevimento que pareciam levar a suprema corte brasileira finalmente a se afastar de sua tradição.

E qual é a tradição ?

É a de assegurar que os nobres permaneçam inatingíveis pela justiça da plebe.  De guardião do privilégio de foro que, quando foi instituído, visava apenas estabelecer que há dois tipos de delinquentes do País: os que podem ser punidos e os que não devem ser molestados, façam o que fizerem.

O Ministro Celso de Mello foi mais uma vez brilhante. Como sempre. Com sábias e doutas palavras, todas elas muito bem enquadradas no conjunto de valores que rege o sistema, restabeleceu o garantismo e sepultou o domínio do fato. Criou mais um recurso que vai se espalhar por todos os tribunais para eternizar processos criminais abertos contra governadores, ministros e presidentes da República.

E nem foi preciso ir buscar na lei o mote ‘jurisdicional’ para esse resgate. Ele estava ali mesmo, no regimento ultrapassado da corte, o mesmo que ‘recepciona’ algo que a legislação baniu anos e anos atrás, os tais embargos infringentes.

Com esse instrumento, exumado pelos advogados brilhantes dos condenados, Celso de Mello, em duas longas horas de peroração, conseguiu afastar o STF do clamor popular que tanto incomoda aos que vestem a toga no horário de expediente. E não apenas isso: colocou-o em oposição polar a esse clamor, isolando as vozes do populacho inquieto pela sede de justiça.

O ministro insuspeito foi ao âmago da questão. Revirou a história, foi os anais do processo legislativo para capturar o espírito da lei materializado na intenção do legislador ao reformular a norma jurídica. Visitou os tratados internacionais que pregam o respeito ao duplo grau de jurisdição, transformando o STF em reformador das decisões do próprio STF.

Nada falou — talvez essa tenha sido sua única omissão — sobre o espírito da lei magna ao instituir o foro privilegiado, que tantos favores prestou aos ladrões investidos de mandato ao longo da nossa sofrida história. Afinal, por que os legisladores não se preocuparam com a instância recursal ao prever que políticos só podem ser processados pelo Supremo ?

A resposta a essa pergunta está na própria História. Olhe para trás e perceba que apenas um ladrão de galinhas chamado Natan Donadon foi efetivamente penalizado com o cárcere desde o início dos tempos. E ainda assim conseguiu preservar o mandato parlamentar, num gesto de desagravo dos colegas generosos que decidiram sacrificar o bom nome do parlamento e desautorizar o tribunalzão para manter entre eles o deputado-presidiáio.

Graças à erudição e ao douto saber de Celso de Mello, tudo volta a ser como sempre no Brasil. Os direitos individuais de criminosos do colarinho branco foram reforçados pela vitória da ala garantista do STF. O direito coletivo da Nação tungada pelos mensaleiros… Bem, isso pouco importa.

Estamos, portanto, de volta ao mesmo de sempre. Graças ao ministro Celso de Mello, de quem veio o voto decisivo para a contenção do ímpeto renovador de cinco dos seus dez colegas.

Agora é completar o serviço. E absolver os ladrões do PT e das legendas por ele alugadas para dar a Lula maioria confortável no nosso ínclito Congresso Nacional. Ali estão Teori, Barroso, Lewadowski, Tóffoli, Rosa Weber e talvez o próprio Celso de Mello prontos para a tarefa árdua de rever penas, recalcular as sanções e transformar condenações celebradas em notórias absolvições. Quem viver, verá.

Afinal, é este o papel que cabe ao Supremo: o de manter longe da cadeia quem a mereceria caso não estivesse investido de mandato eletivo.

7 thoughts on “Um ponto dentro da curva”

  1. Ainda não me refiz da decepção. Entendo que o voto garantista de Celso de Mello é legal e juridicamente fundamentado. Mas não é justo. O diabo é que os votos contrários foram igualmente embasados. Mas faziam justiça. Vão empurrar com a barriga e tudo vai acabar em pizza. O núcleo político terá, sei lá quando, uma penalização ligeiramente menor e cumprirá penitência em regime semiaberto. Esses políticos participarão durante o dia de reuniões e almoços em que rolarão piadas sobre o episódio. Como prometeu Delúbio. Paciência com o decano que pisou na bola desta vez. Também não era todo dia que Pelé “acabava com o jogo”.

  2. Fábio,
    infelizmente, mau vaticínio se revelou acertado. O Celso de Mello aceitou os embargos infringentes. Concordo com vc.: trata-se de juiz honrado, de vasta cultura e saber jurídicos. Porém, dessa vez ele se equivocou redondamente, apenas para manter a linha “garantista”, adjetivo oriundo de uma corrente do direito que pretende dar aos réus o máximo direito de defesa possível (e impossível, como no caso).
    Do ponto de vista técnico, o voto de Celso de Mello foi ruim. Basta comparar com o artigo do Lênio Streck (publicado nesta Acta Diruna). Do ponto de vista histórico, os exemplos citados pelo ministro foram hediondos, para se dizer o mínimo. Ontem, no Jornal da Cultura, o historiador Marco Villa destruiu uma a um os casos citados. José Linhares, o tal democrata, saudado por Mello, foi juiz do Supremo nomeado por Vargas durante o Estado Novo e nunca tossiu ou mugiu contra as arbitrariedades cometidas pelo regime ditatorial da época. Assumiu a presidência da república por uns poucos meses, tempo suficiente para nomear a família toda. Um prodígio! Um verdadeiro pastiche de história e canalhice.
    Celso de Mello merece o respeito de todos pelos seus votos pretéritos, quase todos brilhantes. Mas esse último é de dar nojo.
    Em tempo: como ensinam os manuais de direito, os embargos infringentes apenas afetam a sentença no limite da infringência. Ou seja, só serão reavaliadas as condenações que tiveram quatro votos divergentes do majoritário. Basicamente, o crime e formação de quadrilha voltará para a berlinda. Mas podemos dizer que todos são corruptos (foram condenados com trânsito em julgado por corrupção e não houve quatro votos contra) – isso está fora da tal infringência. Claro que, sem as penas de quadrilha, alguns podem der aliviados do regime fechado. Uma lástima. Cadê os manifestantes de junho?

    Obs,: Fábio o verbo penalizar significa causar pena, dó, piedade. No caso do Donadon, ele não desperta em mim (nem a ninguém) nenhum sentimento de dó. Ele foi apenado ou punido, Fica melhor. É um erro corriqueiro, já está virando chavão falar penalizado.
    Abs.,
    de MarceloF.

  3. Da minha parte, penso que o juiz Celso de Mello marcou um ponto excepcional em favor da seriedade do STF e sua própria, além da independência do Judiciário ao não se deixar contaminar nem enfraquecer pelas absurdas pressões feitas pela mídia convencional, que diz falar em nome da opinião publica (não fala, nem de longe, está completamente dissociada do povo faz tempo, se falasse o PT não estaria no poder há dez anos e vem pelo menos mais cinco por ai) e votar de acordo com suas convicções jurídicas, que, por sinal, já havia demonstrado anteriormente com relação aos embargos infringentes. Ele foi digno consigo mesmo e com sua consciência.

    Votou de acordo com seu entendimento técnico, como também assim procederam Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello, quando, para indignação da opinião publica, soltaram os meliantes Salvatore Cacciola e Roger Abdelmassih, este condenado a 278 anos de cadeia. Esse dois senhores, autores dos habeas corpus dados acima, são hoje considerados por esta mesma imprensa e seu rebanho bovino como “heróis nacionais”.

    Por outro lado, faço minhas as palavras do Ricardo Setti em eu blog na Veja:
    “O que acontece é que todo o nosso arcabouço jurídico está pensado para NÃO punir os poderosos. As leis já saem do Congresso, com raríssimas exceções, assim já criadas. E o emaranhado de códigos, leis, estatutos, regimentos e disposições se tornaram, ao longo do tempo, uma forma de complicar e até de impedir a plena aplicação do direito.”

    É exatamente aí a mixórdia toda. Onde as leis são feitas, no Legislativo putrefato, que permite resultados como esse que se viu hj no julgamento dos embargos. O Brasil jamais será uma democracia plena enquanto suas leis criminais não forem revistas e sua leniência com o crime extinta. Este ponto, sem a completa reformulação do Código Penal, impedindo a existência das 4357 chicanas previsíveis atualmente para livrar quem tem dinheiro e bons advogados de ir realmente em cana, é que causa a gangrena moral do país.

    No mais, creio que todos os 12 que hoje obtiveram um segundo suspiro,vão ver o sol nascer quadrado mesmo, e dessa vez sem apelação.

    1. Alex, as pessoas mais simples (ou nossos pobres) não se importam com imprensa e são elas que são a parte majoritária da população. Eles tem outras preocupações, como acordar 05:00 da matina para pegar o coletivo lotado, para ganhar seu salário mínimo e almoçar marmita.

      Boa parte da classe média mesmo prefere a grande imprensa, ou imprensa conservadora, como se diz. O restante da classe média (que se diz de esquerda) prefere os blogs e sites contratados pelo petê para falar bem do governo e difamar adversários. Qualquer estatística mostra o enorme descompasso entre a audiência de um e de outro.

      O ponto é a guerra de desinformação: os blogs petê diziam desde o inicio que os embargos poderia ser aceitos. A grande imprensa anti-petista fazia coro que não. Só no final os grandes veículos de comunicação entenderam que pela Lei tanto um quanto outro poderia ser aceitos.

      Não são apenas as Leis que são deficientes e permitem quase 5.000 chicanas. Mas o próprio tribunal em sua história, se mostra sempre inclinado a aceita-las. A aceitação de chicana ou não depende tão somente dos juízes e eles não são obrigados a aceita-las.

      Sim, o STF é o tribunal de luxo dos políticos. A história da instituição mostra. Se as Leis não ajudam, também não se vê vontade. Afinal, é preciso manter o status quo. O Celso de Mello é o independente do STF, mas é bom lembrar que quem o indicou não é presidente desde 1989.

      Já o Barbosa e o Fux foram considerados ingratos pelos petistas, indicações cujas ações saíram do controle. Suas vidas pessoas foram vasculhadas e expostas na internet petista. Barbosa foi chamado de “negro ingrato”, “capitão do mato” e “petulante”.

  4. Alex,
    de fato, as leis brasileiras são muito ruins. Além disso, quem deveria cuidar para que a sua aplicação fosse bem feita e célere não demonstra muita vontade de assim proceder. Juízes prolongam processos alegando “falta de agenda”, mas sempre encontram um espaço para um convescote em algum resort, patrocinado por algum banco ou banca.
    Em tempo: vc. chegou a ler o artigo do Lênio Streck?
    Sds.,
    de MarceloF.

  5. O conjunto da obra é horrível. Não estou falando de cercear o direito de defesa, pois ainda não somos uma Cuba da vida. Demoraram 7 anos para julgar. O revisor demorou 6 meses para liberar o processo, e jamais saberemos se isso foi caso pensado para tirar 2 juízes do plenário ou se realmente os 6 meses eram necessários. Como disse um deles, em uma demonstração horrenda de desprezo: por que a pressa ?

    No fim das contas os infringentes não o problema real.

    No jogo de homens como Lewandovisky, Toffoli e Barroso faz-se de tudo para que os colarinhos branco não sofram. Mantem-se a secular tradição de blindagem das elites por nossos tribunais, não importando o peso das acusações.

    Mas nenhum jogo pode esconder o desalento dos brasileiros de bem, as escolas feias e cinzentas de nossas periferias, os coletivos lotados de sofredores, e os corredores de nossos hospitais públicos, com seu o fedor, e apinhados de desvalidos que se alimentam diariamente da propaganda mentirosa deste governo corrupto e imoral.

    Eu e minha família estamos pensando realmente se vale a pena criar nossos filhos nesta pátria.

  6. No início do governo Sarney, Celso de Mello era secretário de Saulo Ramos na Consultoria Geral da República . Depois, quando Saulo Ramos se tornou ministro da Justiça daquele governo, Celso de Mello continuou sendo seu principal assessor. Após foi indicado para o Supremo Tribunal Federal. Aos 44 anos e 6 meses de idade, o Ministro Celso de Mello foi o segundo mais jovem Presidente do Supremo Tribunal Federal (biênio 1997 / 1999 . Após a aposentadoria do Ministro Sepúlveda Pertence , em 17 de agosto de 2007 , data em que também se completaram 18 anos desde a posse do Ministro Celso de Mello, este se tornou o novo decano do STF. É o atual Presidente da Comissão de Coordenação daquela Suprema Corte.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *