A Lei Anticorrupção sob ataque

A melhor iniciativa da era petista visando à moralização da política está sob severo ataque … de petistas e outros servos das empreiteiras flagradas corrompendo políticos no bojo da Operação Lava Jato. Trata-se da Lei 12.846 de 2013, que o País logo alcunhou de Lei Anticorrupção ou, em círculos mais lustrados, Lei de Compliance.

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A Lei Anticorrupção dormitava nas gavetas da CGU, o órgão do Poder Executivo a quem ela delegada a aplicação das sanções que devem ser adotadas contra empresas que corrompem, fraudam licitações e conspurcam a concorrência. Até ser descoberta pela esperteza de advogados — oficiais e oficiosos — das empreiteiras enroladas, que passaram a pretender transformá-la em Lei a favor da Corrupção, por mais absurdo que isso possa parecer.

Mas como é possível utilizar um instrumento que foi forjado para punir empresas que roubam do erário em algo a favor da corrupção ? Simples: basta um salto triplo carpado hermenêutico, meia dúzia de parlamentares pagos pelos réus (eles são muito mais numerosos do que isso), uma advocacia da União tarefeira e o pavor de que os empresários enjaulados em Curitiba ponham na linha de tiro a própria presidente e seu antecessor, o sagrado Luis Inácio Lula da Silva.

O que é a Lei Anticorrupção

A Lei 12.846/2013 foi votada pelo Congresso Nacional e promulgada pela presidente Dilma Rousseff no dia 1º de agosto de 2013. O País estava fervilhando com as manifestações de rua. Foram elas que levaram o Executivo e o Legislativo a adotar a iniciativa em resposta aos gritos dos manifestantes pela ética na política.

A nova lei prevê sanções nas esferas civil e administrativa para pessoas jurídicas (sim, para empresas, e não para as pessoas de seus administradores) que cometerem os seguintes atos contra a administração pública:

1) Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;

2) Financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos na Lei;

3) Utilizar-se de pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.

A Lei ainda prevê sanções para quem fraudar licitações, constituir cartel para lesar o Estado etc. Ou seja: Embora não tenho sido feita para isso, ela se encaixa como uma luva nos atos praticados pelos ladrões do PT, PP e PMDB contra a PETROBRAS.

O governo não tem a faculdade de aplicar as sanções previstas nessa lei. Tem o DEVER de aplicá-las, sob pena de cometer prevaricação — o que poderia redundar no impedimento da atual presidente da República. E quais são essas sanções ?

Às empresas flagradas subornando, corrompendo funcionários, conspurcando a concorrência serão aplicadas multas que vão de 0,2% a 20% do faturamento bruto anual, ou valores que variam entre R$ 6 mil e R$ 60 milhões de reais.

Mas o pior, o que as empreiteiras mais temem, é a inabilitação para contratar com o governo, que pode durar entre um e cinco anos. A rigor, o Estado é o único cliente dessas empreiteiras. Além dos negócios tortos na PETROBRAS, elas exploram concessões de aeroportos e rodovias e executam obras de grande porte como a hidrelétrica de Belo Monte e a transposição do Rio São Francisco.

Por isso, inabilitá-las para transacionar com o governo representaria a sua morte — e também o desemprego de dezenas de milhares de trabalhadores. Eis aí o mote da campanha salvacionista que pretende encontrar na própria lei um instrumento de redenção dos anjos empresariais caídos na bandalheira da petroleira estatal.

 

Leniência ou esperteza ?

Desde que as delações premiadas colocaram no fogo políticos e empresários que picareteavam na PETROBRAS, um coro de carpideiras passou a bradar e a derrubar lágrimas por uma solução salomônica.

A saída seria aplicar indiscriminadamente o que prevê o Artigo 16 da Lei Anticorrupção com o propósito de, adivinhe ?, salvar o rabo das empreiteiras corruptoras! Isso mesmo. A Lei Anticorrupção, saudada como uma conquista histórica pelo governo petista, de uma hora para a outra se transformou no Cavalo de Tróia de corrompidos e corruptores. E do governo petista. Que tenta, desesperadamente, dar um jeito de implementar o malogro para calar os delatores premiados.

E o que diz o Artigo 16 ?

Ele estabelece que poderão ser assinados acordos de leniência com pessoas jurídicas que colaborarem efetivamente com as investigações desde que:

– A PJ que almeja o benefício identifique os demais envolvidos no esquema;

– Apresente docmentos que comprovem o ilícito que está sendo apurado;

– A empresa que pleiteia a leniência pare de delinquir;

– E que seja a primeira a manifestar interesse na leniência.

Como se vê, ela só vale para UMA empresa, e não para todas, como quer o governo federal. Da forma proposta pelo Advogado Geral da União, o acordo de leniência se transformaria numa panaceia para anistiar empresas vigaristas envolvidas em assaltos contra a grana do populacho pagador de impostos.

O problema é que não é só o AGU Luis Adams quem quer transformar a lei ‘anti’ em lei ‘a favor’ da corrupção. Tem muita gente empenhada nisso. Inclusive coxinhas notórios.

Uma revoada suprapartidária para mudar a lei

A CPI da PETROBRAS tem mais de metade de seus membros — titulares e suplentes — com campanhas pagas pelas empreiteiras que estão sendo investigadas. No Congresso, o quórum dos que receberam grana dessas empresas ficha-suja é suficiente para aprovar até leis complementares.

Se você pensa que apenas parlamentares petralhas receberam esse dinheiro e estão diligentemente entregando serviços em troca das doações pelo caixa-um, está muito enganado. Alguns sequer têm doações das empresas da Lava Jato. Vamos a um nome que até o momento se encontra afastado da ribalta: Carlos Bezerra, do PMDB de Mato Grosso.

De acordo com os registros do TSE, Bezerra não recebeu um centavo sequer de nenhuma das empreiteiras implicadas na Operação Lava Jato. Gastou pouco menos de R$ 1,7 milhão para se reeleger. Dois terços vieram do Grupo JBS e da Construtora Sanches Tripolini, que doaram R$ 500 mil cada.

A última iniciativa do parlamentar mato-grossense no entanto, pode dar o caminho para a criação do elemento que pode fazer a felicidade do governo e dos empreiteiros caídos. Ele é o autor do projeto de lei 522/15 que representa um estupro no espírito da Lei Anticorrupção.

O PL 522/15 manda suprimir o inciso I do Parágrafo 1º dessa norma. É justamente aquele que estabelece que os acordos de leniência serão oferecidos apenas à primeira empresa que se apresentar para denunciar um esquema criminoso.

O projeto nem precisará passar pelo plenário da Câmara para ser aprovado. Será votado em caráter terminativo em algumas comissões. Bem distante dos olhos vigilantes de uma sociedade que repele de maneira cabal iniciativas como essa. A rigor, feita a mudança, a Lei Anticorrupção se transformará em Lei Pró-Corrupção. Bem ao gosto dos empreiteiros e dos aparvalhados defensores do ‘too big to fail’ no Palácio do Planalto.

Uma fonte do Blog Acta Diurna chama a atenção para a atuação de outro parlamentar, Raul Jungman, do PPS. Ele é ex-ministro do governo FHC, não tem nenhuma ligação com o governo, nenhuma implicação na Lava Jato e nenhum vínculo ideológico com os partidos aquinhoados com o dinheiro desviado da PETROBRAS, mas teria entrado em cena, segundo essa fonte, para ajudar as empreiteiras.

Coube a ele apresentar o Projeto de Decreto Legislativo nº 5/2015, que tem por objetivo afastar o TCU da fiscalização dos acordos de leniência. Formalmente, o PDL 5/15 susta os efeitos da Instrução Normativa nº 74 do TCU. Foi por meio dessa norma que o Tribunal de Contas passou a exigir que os acordos de leniência firmados pela CGU fossem submetidos a ele.

Jungman gastou R$ 1,4 milhão para renovar seu mandato (ficou com uma suplência). Trinta por cento disso, R$ 425 mil, foram doados pelas empreiteiras Queiroz Galvão e Norberto Odebrecht, que em tese se beneficiariam diretamente da empreitada do parlamentar pernambucano. Mas ao blog, o parlamentar explicou que sua ação vai exatamente no sentido contrário: visa à restauração do papel fiscalizador do TCU.

“Em quatro horas e meia o TCU recebeu, apreciou, votou e aprovou a instrução normativa nº 74, sem sequer abrir prazo de vista para o Ministério Público de Contas nem discutir com a sociedade o papel que lhe compete”.

O problema, segundo ele, é que essa resolução coloca o Tribunal de Contas como homologador dos acordos de leniência assinados pela CGU, e não como fiscal. “O que é que o TCU, que é órgão do Legislativo, está fazendo como homologador de contratos feitos pela CGU, que é órgão do Executivo ?”, indaga Jungman.

O que fazer agora ?

É bastante provável que a discussão sobre o entrave representado pela Lei 12.846/13 seja impactada pelas manifestações do último domingo. O governo promete mais uma vez se empenhar em criar normas para combater a corrupção. Não é crível que continue tentando enganar a opinião pública com propostas que têm como consequência agravar os problemas que deveriam solucionar.

A Lei Anticorrupção, que ainda aguarda regulamentação quase dois anos depois de promulgada, deveria se transformar em um efetivo instrumento para punir entes privados que conspurcam a concorrência, subornam funcionários públicos e alimentam a máquina política que se nutre de seus favores.

Cabe ao governo demonstrar, de maneira cristalina e cabal, que entendeu o clamor das ruas e que vai atuar no sentido de dar mais transparência aos negócios públicos e sanar os vícios gigantescos remanescentes de cinco séculos de desabrido patrimonialismo. Acabou-se o tempo da tergiversação e do achaque. O cidadão brasileiro está atento e vigilante. E promete não ter mais complacência com aquele que se investe de funções pública com o único objetivo de assaltar o pagador de impostos.