O Uruguai e a maconha livre

Estou em Montevideo para produzir uma série de reportagens sobre a descriminalização da maconha neste País. Cheguei ontem à tarde. E, de cara, fiquei espantado: apesar da milhares pessoas que esperavam o por-do-sol na Rambla, a avenida à beira do Rio da Prata, não havia aqui um clima de Woodstock, como eu esperava.

uruguai

Vi apenas um casal fumando um baseado na sacada de um apartamento que fica bem em frente à janela do meu quarto de hotel. Ninguém mais. Há mais cheiro da erva no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, numa tarde de domingo, do que havia ontem na capital do Uruguai.

Aprendi pouco até aqui, mas entendi que algo descriminalizado é diferente de algo bem-vindo, aceito ou recomendado socialmente. Talvez resida nisso a esperança de sucesso da estratégia arriscada que o País adotou para tentar vencer o narcotráfico utilizando contra ele as duras leis do mercado e da competição. Agora que retirou a maconha do limbo da ilegalidade, o Uruguai vai poder tratar seus doentes e tentar convencer os que estão saudáveis de que é feio fumar maconha. Como aconteceu com o cigarro no Brasil, que hoje tem metade dos usuários de duas décadas atrás.

Conversei com algumas pessoas nas ruas para saber a opinião delas sobre a nova política para as drogas. É evidente a divisão que o tema provoca. Encontrei pessoas céticas, outras otimistas, mas ninguém apavorado com a maconha livre. Talvez a população tenha entendido a mensagem do presidente Mujica: não é a ressurreição da contracultura, como disse ele ontem a O Globo. É uma medida extrema para conter o avanço do crime organizado.

Veja só que diferença entre o que acontece aqui e o que vai na cabeça dos governantes brasileiros. Em um único ano o Uruguai resolveu o problema do aborto, da maconha e do casamento gay. A adequação  a este momento delicado da história, pautado pela fragmentação das identidades sociais e pela valorização das pautas contra-hegemônicas, vai construindo um novo País.

Enquanto isso, o narcotráfico continua corroendo as instituições e desafiando o Estado onde líderes covardes aguardam a aposentadoria para lamentar o que não fizeram a respeito do assunto. Caso clássico do Brasil de FHC e dos EUA de Bill Clinton.

Para encerrar este post, ressalto o abismo estatístico que existe entre o Brasil e Uruguai quando o assunto é o estrago provocado pela criminalidade no bem mais importante que o Estado tutela, a vida. Aqui no Uruguai os crimes de morte acontecem numa proporção de 5,9 casos para cada 100 mil habitantes. No Brasil, são 21 mortes violentas entre 100 mil habitantes.