Barbosa no tronco, por Reinaldo Azevedo

A discriminação racial assume muitas faces, mas três delas se destacam. Há o ódio desinformado, raivoso, agressivo. O sujeito não gosta do “outro” porque “diferente”, o que, para ele, significa inferior. Há a discriminação caridosa, batizada de “racismo cordial”. Olha-se esse “outro” como um destituído de certas qualidades, mas sem lhe atribuir culpa por essa falta; o “diferente” merece respeito e, se preciso, tutela. Uma vertente da cordialidade é ver a “comunidade” dos desiguais (iguais entre si) como variante antropológica. Com sorte, seus representantes acabam no “Esquenta”, da Regina Casé, tocando algum instrumento de percussão -nunca de cordas!- ou massacrando a rima num rap de protesto. E há uma terceira manifestação, especialmente perversa, que chamo de “racismo de segundo grau”. Opera com mecanismos mais complexos e só pode ser exercida por mentalidades ditas progressistas. É justamente essa a turma que tenta mandar o negro Joaquim Barbosa, ministro do STF, para o tronco.

pelourinho

Os leitores da Folha que conhecem o meu blog sabem que, ao longo dos anos, mais critiquei Barbosa do que o elogiei. Antes ou depois do processo do mensalão. E os temas foram os mais variados -inclusive o mensalão. Ainda que a internet não servisse para mais nada, seria útil à memória. Os textos estão lá, em arquivo. Cheguei a ser alvo de uma patrulha racialista porque, dizia-se então, este branquelo não aceitava a altivez de um negro.

O ministro era saudado como herói por esquerdistas, “progressistas” e blogs financiados por dinheiro público -aqueles que se orgulham de ser chamados por aquilo que são: “sujos”. Como esquecer os ataques nada edificantes de Barbosa a Gilmar Mendes, seu parceiro de tribunal, em 2009? Os “petralhas” consideravam Mendes o seu único inimigo na corte, e o “negro nomeado por Lula” seria a expressão do “novo Brasil”. O príncipe virou um sapo.

Não entro, não agora, no mérito dos votos do ministro no caso do mensalão. Fato: não tomou nenhuma decisão discricionária -até porque, na corte, a discricionariedade, quando existe, atende pelo nome de “prerrogativa”. Que a sua reputação esteja sob ataque, não a de Ricardo Lewandowski, eis a evidência da capacidade que a máquina petista tem de moer pessoas. Por que Lewandowski? O homem inocentou José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino até do crime de corrupção ativa, mas foi duro com Kátia Rabello e José Roberto Salgado, do Banco Rural. Para esse gigante da coerência, os crimes da “Ação Penal 470” (como ele gosta de chamar) poderiam ter sido cometidos sem a participação da trinca petista. É grotesco!

Mas o que é esse tal “racismo de segundo grau”? É aquele que tenta impor ao representante de uma “raça” (conceito estúpido e desinformado!) um conteúdo militante que independe da sua vontade, da sua consciência, da sua trajetória pessoal. Assim, por ser negro, Barbosa seria menos livre do que um branco porque obrigado a aderir a uma pauta e a fazer o discurso que os “donos das causas” consideram progressista. Ao nascer negro, portanto, já teria nascido escravo de uma agenda.

O mensaleiro João Paulo Cunha foi explícito a respeito: “[Barbosa] Chegou [ao Supremo] porque era compromisso nosso, do PT e do Lula, reparar um pedaço da injustiça histórica com os negros”. O ministro não se pertencia; não tinha direito a um habeas corpus moral.

Afinal de contas, quantos votos Barbosa tem no tribunal? Notem que os movimentos negros -a maioria pendurada em prebendas estatais- silenciou a respeito. Calaram-se também quando o jornalista Heraldo Pereira foi chamado de “preto de alma branca” por um desses delinquentes financiados por dinheiro público. Por que defender um negro que trai a causa? Por que defender um negro bem-sucedido da TV Globo?

Um preto só prova que é livre quando obrigado a carregar a bandeira “deles”.

Reinaldo Azevedo escreve às sextas-feiras na Folha de São Paulo.