Governo mente. Racionamento de eletricidade é inevitável

O governo está mentindo deliberadamente para todos nós. O racionamento de energia elétrica é inevitável. É a única coisa que se pode depreender dos dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico, ONS. E quanto mais tarde as autoridades admitirem o óbvio, piores serão as consequências. Vamos aos dados.

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Este gráfico (elaborado pelo ONS) faz a comparação com entre o estoque de energia armazenada sob a forma de água nos reservatórios que formam o Sistema Integrado Nacional em 2001 e 2014. As barras verdes representam 2001, imortalizado como o ano dos apagões do governo FHC. As azuis, 2014.

Repare bem: no começo do período, o ano passado desponta com uma situação aparentemente muito mais tranquila do que a de 2001. Havia água nos reservatórios suficiente para gerar cerca de 60 mil gigaWatts de eletricidade, contra menos de 40 mil gWh de 2001.

Ao longo do ano, no entanto, as barras dos dois períodos começaram a convergir até que a situação se invertesse. Em novembro, as reservas armazenadas nas principais hidrelétricas brasileiras já eram menores do que as de 2001.

A demanda por carga, no entanto, cresceu muito nos últimos 14 anos. Com uma economia muito maior do que no início da década passada, o País passou a exigir mais dos mesmos reservatórios — cerca de 40% mais. Só para você ter uma ideia do que está acontecendo, em dezembro passado o total de energia gerado pelas hidrelétricas foi de 31,6 gWh, contra apenas 22,6 gWh em 2001.

Como isso foi possível, uma vez que as hidrelétricas são praticamente as mesmas de quinze anos atrás? Simples. Para gerar mais energia, as hidrelétricas utilizaram muito mais água de suas reservas. Com chuvas deficientes, o quadro se agravou até que a situação chegasse ao limite extremo em que se encontra hoje.

Para tentar conter a sangria dos lagos, o governo mantém em funcionamento um sistema de usinas térmicas que foi construído para atuar emergencialmente. Hoje, todas as térmicas que não estão paradas para manutenção geram energia no limite máximo de sua capacidade.

No mês passado elas atingiram o recorde de produção:  11.371 gWh. Isso equivale a toda a potência instalada de Belo Monte, por exemplo, uma das gigantes cujo cronograma de implantação está atrasado e que, por esta razão, não poderão aliviar o stress do sistema neste ano que começa.

Obras atrasadas

Além de Belo Monte, que só deve começar a gerar experimentalmente em 2016, estão atrasadas várias outras obras que poderia amenizar a situação de escassez atual. A UHE de Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, tem apenas 14 das 50 turbinas já liberadas para a operação comercial acionadas. A de Santo Antônio, em fase de conclusão, depende de um aditivo contratual para começar a gerar energia. As hidrelétricas situadas no rio Teles Pires também acumulam atrasos de cerca de um ano.

Atrasos no cronograma de execução de obras também comprometem a construção de uma rede de usinas térmicas. Camaçari 2,  Camaçari 3, Governador Mangabeiras, Nossa Senhora do Socorro, Santo Antônio de Jesus, e Sapeaçu, na Bahia, devem ter as outorgas revogadas pela ANEEL por causa dos descumprimentos de prazo do concessionário. Juntas, elas poderiam estar gerando 1.056 MW.

A ineficiência do governo para gerir a expansão do sistema e falta de investimentos em geração e distribuição amplificaram os efeitos da seca. “Até 1985, tínhamos um planejamento que nos permitia enfrentar 3 ou 4 anos de chuvas escassas com o estoque de água das hidrelétricas”, diz o físico José Goldemberg.

Crítico da falta de ação do governo, Goldemberg afirma que o planejamento se perdeu e, com isso, a nossa capacidade de enfrentar contingências como a seca dos dois últimos verões. “A água remanescente nos reservatórios não será suficiente para empurrar o País até o verão”, avalia o ex-ministro, para quem o governo terá, obrigatoriamente, que promover medidas de racionalização e racionamento muito em breve.

 

O que está acontecendo com a água no Sudeste

Se você está assustado com a situação do abastecimento de água de beber em São Paulo, prepare seu espírito para as más notícias que começam a chegar do sistema elétrico brasileiro. O País já não está mais à beira — está vivendo um grande colapso das reservas hídricas que deveriam assegurar a geração e distribuição de energia elétrica.

Ilha Solteira: Eleição levou o nível ao zero absoluto
Ilha Solteira: Eleição levou o nível ao zero absoluto

O que provocou isso ? A falta de chuva certamente contribuiu para que a situação chegasse onde chegou. Mas o que definiu mesmo o cenário foi a manipulação das reservas hídricas com finalidade eleitoral. Para não suscitar o debate sobre a adoção de um necessário e urgente racionamento em ano de eleição, os governantes sangraram os reservatórios muito além do limite da responsabilidade. Senão, veja o que se passa no sistema.

Ilha Solteira é a terceira maior usina hidrelétrica brasileira. Tem capacidade instalada para gerar 3,44 mwh, quase cinco por cento da energia elétrica consumida no País. É gêmea siamesa de outra usina, Três Irmãos, à qual está umbilicalmente vinculada pelo Canal de Pereira Barreto, que interliga as duas represas. Tudo o que acontece com uma, acontece com a outra.

Foi por isso que ambas atingiram juntas o fundo do poço na crise hídrica atual. A reserva dos dois lagos chegou a zero, afetando de maneira mortal a geração. E não apenas isso: Graças à baixa recorde do nível de seu reservatório, Três Irmãos paralisou completamente o tráfego de barcaças ao longo da hidrovia Tietê Paraná. Quase seis milhões de toneladas ao ano deixaram de circular, levando municípios como São Simão (GO) e Pederneiras (SP) a um passo da falência.

No arrasto do colapso desses reservatórios, outras hidrelétricas brasileiras dão sinais de exaustão. Três Marias, próximo à nascente do Rio São Francisco, está se exaurindo dia a dia. Pela primeira vez na história seu nível tangencia 2% da reserva operacional. Se baixar mais 60 centímetros, a única das seis turbinas que ainda geram energia terá que ser desligada para evitar a cavitação. É a abrasão provocada pela entrada de ar no circuito de geração que pode danificar a turbina.

O lago de Furnas, no Sul de Minas, também se encontra exaurido. Está com 11,29% de sua reserva. Apesar do retorno da estação das chuvas, o reservatório ainda perde duas vezes mais água do que ganha. De acordo com o ONS, para cada 124 metros cúbicos de água que entram no lago, 280 escorrem pelas turbinas. Isso afeta um dos papéis mais importantes do imenso lago de Furnas: o de assegurar o fluxo de água para os reservatórios que ficam à jusante (rio abaixo). A grande caixa d’água do Sudeste está secando.

O mesmo papel é exercido pelo reservatório da hidrelétrica de São Simão, na divisa entre Goiás e o Triângulo Mineiro. Da mesma forma, a falta de água ameaça a segurança hídrica dos reservatórios que se situam ao longo da bacia do Rio Paraná, a começar pela exangue Ilha Solteira. As chuvas da última semana permitiram uma pequena recomposição das reservas, que passaram de cerca de 8% para pouco mais de 12%. O problema é que a afluência (volume de água que entra no lago), de 1005 metros cúbicos por segundo, ainda é menor a defluência (volume de água que deixa o lago), hoje em 1113 m3/s.

O que falta é governo

Erra quem atribui a culpa pela situação atual à meteorologia imponderável e a problemas climáticos localizados entre o Sudeste e o Centro Oeste brasileiros. A coisa só chegou onde chegou porque o ONS, o Operador Nacional do SIstema Elétrico, atuou com prodigalidade ao permitir o sangramento das reservas sem adotar nenhuma medida de contenção. O governo contava com a ocorrência das chuvas antes da volta dos apagões, que podem acontecer a qualquer momento por causa da redução da confiabilidade do sistema.

Os lagos exauridos desempenharam bem a tarefa de cabos eleitorais. Trouxeram o País até as eleições sem grandes problemas evidentes. Para conseguir esse intento, o ONS exauriu os reservatório. Atuou como o apostador que, diante de golpes sucessivos de azar, vai dobrando a aposta até perder tudo o que tem. O que se perdeu é muito importante e caro a um Brasil de tantos gargalos estruturais: a segurança elétrica, dada pelo estoque de água armazenada nos lagos da hidrelétricas.

Uma pedra no caminho das chatas

A eclusa de Buritama: Chegar até aqui é coisa para os pequenos. Somente eles.
A eclusa de Buritama: Chegar até aqui é coisa para os pequenos. Somente eles.

Os rios Grande, Paranaíba e Paraná formam a bateria que faz girar a roda da economia brasileira. Eles são os responsáveis por cerca de 70% da eletricidade produzida no País. Mas sua importância não pode ser medida apenas em megawatts/hora de energia elétrica, pois seu papel na economia é muito maior.

Tome-se o que acontece na bacia do Tietê, rio que desagua no Paraná logo abaixo do vertedouro de Ilha Solteira. Nele há quatro hidrelétricas de porte médio. Elas asseguram o nível ao longo da bacia e a navegabilidade de barcos de grande capacidade de carga. Pela hidrovia passam — ou passavam — quase seis milhões de toneladas de carga por ano. Quase toda a soja produzida em Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul chegava ao Porto de Santos por meio dessa hidrovia.

Os grão eram embarcados preferencialmente em São Simão (GO), onde um terminal intermodal recebia cerca de 8% das commodities produzidas pelo agronegócio. Em Pederneiras (SP), as cargas eram transpostas para um ferrovia. A mercadoria desembarcava então nos porões dos navios transoceânicos atracados no Porto de Santos.

Mas o colapso técnico nas represas do Tietê (os três principais reservatório estão com sua reserva hídrica zerada) acabou interditando o tráfego das barcaças pela hidrovia em maio passado. Em função disso, há mais de meio ano os armazéns graneleiros goianos e o porto intermodal de Pederneiras não movem uma tonelada de carga sequer.

A interdição ocorre próximo à barragem de Promissão, em Buritama, bem no meio do caminho entre Pereira Barreto, na foz do Tietê, e Pederneiras, o ponto final da hidrovia. Com o nível do reservatório de Três irmãos ao rés-do-fundo, as barcaças não conseguem aceder à eclusa por causa do leito pedregoso e raso.

O problema é tão antigo quanto a própria hidrovia. O governo de São Paulo prometeu, meses atrás, contratar uma empreiteira e dinamitar uma estrutura rochosa, aprofundando o leito, o que tornaria a navegação perene. Mas a promessa caiu no esquecimento. O governo estadual continua dando desculpas evasivas para algo que não tem resposta: a inação que poderia ter evitado a interrupção do tráfego de chatas de grande porte.