Um ‘viva’ miudinho para a ANVISA, que liberou tardiamente o CBD

Com anos de atraso, a diretoria da ANVISA liberou finalmente a prescrição médica do canabidiol, remédio extraído da flor da maconha. Se não fosse tão lerda e paquidérmica, a agência poderia ter adotado a mesma providência há mais de um ano, poupando pacientes que sofrem com tipos raros de epilepsia e outras doenças ainda sem cura pelos quimioterápicos convencionais.

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Foi apenas o primeiro passo de uma longa jornada que ainda está por vir. O THC, molécula que provoca o efeito psicoativo da Cannabis, também pode ser aplicado em uma ampla gama de quadros clínicos que a farmacologia atual não consegue resolver a contento.

Seus efeitos anti-eméticos (contra ânsia de vômito), por exemplo, são conhecidos há séculos e estão provados por vários estudos científicos de instituições importantes ao redor do planeta. Fumar um baseado ou comer um brigadeiro de maconha pode ajudar e muito a dar conforto a portadores de câncer em quimioterapia.

A partir de agora, quem precisar do canabidiol para se tratar fica autorizado a importar o CBD. Uma ampola chega a custa R$ 1,5 mil. É caro demais para a média das famílias brasileiras. Com isso, muitos pacientes que se poderiam se beneficiar do composto não terão acesso a ele.

Como o cultivo de maconha e a comercialização de seus extratos continuam proibidos pela nossa arcaica legislação penal, ninguém poderá produzir o principal insumo para a fabricação do CBD no País. Ainda que o canabidiol derive de uma variedade que não sintetiza o THC — portanto, não produz o barato característico dessa planta.

É sabido que a sociedade rejeita a legalização da maconha, o que permitiria seu uso diversional e reduziria ao mínimo o narcotráfico. Governos que se prezam tomam a iniciativa e arcam com os custos da adoção de políticas que somente serão melhor compreendidas e aceitas no futuro. É o caso do Uruguai e de Portugal.

Não é, definitivamente, o caso do Brasil. Num País de governo populista, presidentes ateus viram carolas, notórios boêmios viram anjos de candura e todas as iniciativas que dependem de alguma coragem realmente revolucionária são destinadas à gaveta e ao esquecimento.

A despeito de tudo isso, a atual diretoria da ANVISA — lerda, errática, medrosa — merece um cumprimento por ter feito o que finalmente fez, ainda que tenha sido guindada a isso pela soma de evidências que a ciência fornece para a opinião pública leiga fazer a burocracia deslizar pelo trilho que leva à contemporaneidade.

Mentira e preconceito: Os péssimos exemplos dos médicos cearenses

Depois de xingar os colegas cubanos quando de sua chegada ao Brasil, os médicos cearenses agora deram para espancar a verdade. Entraram numa campanha terrorista para tentar conter o giro da roda — ou a discussão da descriminalização da maconha. E botaram na praça esses cartazes com sofismas assustadores, inteiramente falsos, para aterrorizar os menos informados e reavivar preconceitos medievais.

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Hoje, espacando a verdade.

Pobres dos que dependem desses profissionais. Saiba você que eles desprezam princípios ativos que poderiam mitigar o sofrimento de pacientes em quimioterapia, aliviar as dores de quem tem fibromialgia, controlar convulsões epiléticas, devolver o apetite aos portadores do HIV, conter o avanço da esclerose lateral amiotrófica.

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… Ontem, espancando os colegas cubanos.

Adotando-se a lógica deles, poder-se-ia supor que os médicos que assinam esse lixo publicitário operam seus pacientes bêbados, visto que o álcool é liberado no Brasil e “é normal” isso acontecer.  Como se pode perceber, um completo absurdo.
Vão cuidar da saúde dos seus pacientes, médicos cearenses. E se quiserem participar do debate, não venham com mentiras e descalabros retóricos como esse. Usem a ciência, e não os sofismas. Embora cada dia mais raros, vocês ainda vão encontrar argumentos em algumas  pesquisas acadêmicas para reforçar a sua posição jurássica.

ANVISA divulga regras para importação de remédios à base de maconha

Não será necessário sequer publicar uma portaria para que a importação de medicamentos feitos com base na cannabis passem a ser ingressar legalmente o território brasileiro. A ANVISA se limitou a publicar uma nota em seu site explicando como devem proceder os pacientes interessados em obter esse tipo de droga. A nota pode ser lida no site da agência. Para acessá-la, basta clicar aqui.

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De acordo com a agência,  só será autorizada a importação de medicamentos que, a despeito de não terem sido registrados no Brasil, “estão devidamente registrados em seus países de origem ou ainda em outros países”. A assessoria de imprensa da ANVISA esclarece que a autorização não vale para a maconha in natura, apenas para medicamentos elaborados com óleos essenciais dessa planta.

Uma fonte da agência reguladora disse ao Acta Diurna que, na prática, só será possível importar o medicamento Sativex, patenteado pelo laboratório GW Pharmaceuticals.A medicação tem sido empregada com segurança e efetividade para combater formas raras de epilepsia imunes a fármacos convencionais, mitigar o mal-estar de pessoas que enfrentam a quimioterapia, portadores de glaucoma e esclerose múltipla. 

Os interessados deverão se dirigir a um dos escritórios da ANVISA e protocolar um “pedido excepcional de importação para uso pessoal”. Todos os pedidos devem estar justificados por uma prescrição médica e serão analisados por técnicos da agência. Polícia Federal e Receita Federal também serão comunicadas. De acordo com a assessoria de imprensa, a análise é rápida e se completará num intervalo de tempo menor do que o do transporte da medicação entre o país de origem e o destino final no Brasil. Uma vez aprovado o pedido, a Receita providenciará um regime de prioridade para os trâmites alfandegários.

A ANVISA também informou que todos os procedimentos estão previstos na lei 11.343, que tipifica os crimes relacionados ao porte e ao tráfico de substâncias entorpecentes. Apesar disso, segundo a agência, nunca houve um pedido formal sequer de importação desse tipo de medicamento. 

 

 

Conheça Pepe Mujica, o homem que liberou maconha no Uruguai

Sexta e última reportagem da série O Avanço da Maconha. A matéria mostra um perfil do presidente José (Pepe) Mujica, o homem que regulou o consumo e a venda da maconha e transformou o Uruguai no primeiro país do planeta a ter a maconha liberada em todo o seu território. Exibida no Jornal da Band de 12/4/2014.

Maconha: a luta pela legalização no Brasil

No quinto e penúltimo episódio da série O Avanço da Maconha, o Jornal da Band mostra como se processa a luta dos que pretendem ver a maconha legalizada e descriminalizada no Brasil. As marchas da maconha, a força do tráfico e a opinião de especialistas favoráveis e contrários à flexibilização das leis que impedem o uso da cannabis.

www.youtube.com/watch?v=G9Qlzn7i0Hs

Maconha: por que ainda é proibida ?

O Jornal da Band está veiculando, desde ontem, uma série de reportagens sobre a maconha que eu e o Victor Santos produzimos nos últimos dois meses. Sem nenhuma modéstia, quero recomendar a você que assista a esse material. Nunca a TV brasileira discutiu o problema com tanta profundidade.

Para dar cabo da tarefa, estive duas vezes no Uruguai e uma no Colorado, EUA. Fui conhecer pessoalmente os lugares em que a erva foi liberada. E fui atrás das consequências da regulação e descriminalização. Ao final, pude constatar quanto o preconceito, a desinformação e as mentiras sistemáticas  podem fazer pela demonização de algo que pode ser efetivamente bom para a própria humanidade, desde que utilizado da maneira correta.

O primeiro capítulo trata da história da proibição, mostra como a legislação (elaborada em 2006) está carregada de ranços raciais. Para assistí-lo, basta clicar sobre o video acima. Agradeço se você deixar a sua opinião sobre o problema aí na área de comentários da página.

Sem orçamento, Uruguai pode ter que adiar liberação da maconha

Depois de surpreender o mundo com sua nova política de drogas, o Uruguai pode provocar uma frustração planetária ao ter que atrasar a regulamentação da lei que liberou a maconha por falta de previsão orçamentária. Isso obrigaria o governo Mujica a adiar os planos de iniciar logo o cultivo e a comercialização, que devem ser precedidos de autorizações para o plantio e do cadastramento de comerciantes e usuários em pelo menos um ano.

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O problema aconteceu porque o governo não enviou ao Congresso uruguaio uma previsão dos gastos que serão necessários para a contratação de pessoal e a criação de um instituto que ficará responsável pelo cadastramento dos usuários e cultivadores, pela produção da erva e pelo registro das farmácias onde será possível comprar a maconha oficial.

Assim como o Brasil, o Uruguai adota mecanismos restritivos de controle de gastos em anos eleitorais, caso deste 2014. Esses mecanismos impedem o governo de realizar despesas e contratar servidores sem que haja previsão no orçamento. Como a lei 19.172 foi aprovada em dezembro do ano passado, não houve tempo para prever, no orçamento de 2014, o dinheiro necessário para a criação do IRCCA (Instituto de Regulación y Control de Cannabis), peça-chave da nova política. 

“Aqui no Uruguai existem centenas de leis que simplesmente não são implementadas pela mesma razão, a falta de racionalidade”, diz o deputado Jorge Gandini, do Partido Nacional, que faz oposição ao governo Mujica e também à nova política de drogas. 

Gandini explica que, para que a lei passe a vigorar, o governo precisa apenas baixar alguns decretos determinando as providências que entende necessária para fazer a engrenagem funcionar. “Mas tudo deve ser feito de acordo com a Constituição, que impede a contratação de gastos sem previsão orçamentária”, comemora o opositor, que vê na nova lei de drogas um risco para a segurança. 

A própria lei estabelece um prazo fatal para a regulamentação: 2 de Abril próximo. “Não sabemos que providências o Presidente vai tomar, está tudo muito obscuro”, diz Gandini.

Uruguai: falar de maconha, só com o rosto coberto

Não há mesmo nada muito diferente do Brasil aqui no Uruguai. A lei de drogas efetivamente não tornou a maconha mais popular nem socialmente aceita. Ontem mesmo, para entrevistar um consumidor, tive que dar um jeito de esconder o rosto dele. A preocupação do rapaz era com o patrão e os chefes. Disse que, se fosse identificado nas imagens, poderia ficar sem o emprego. Muita gente não contrataria um maconheiro no primeiro País do planeta a ter uma política de regulação libertária.

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Ontem eu havia dito para vocês que o clima aqui está longe, muito longe do liberou-geral de Woodstock. Não é porque será vendida em farmácias e poderá ser livremente consumida por qualquer cidadão com mais de 18 anos de idade que a maconha se transformou na queridinha dos almoços dominicais em família. Não. Um dos mais exaltados ativistas da época das Marchas da Maconha em Montevideo (houve só duas) não tem coragem de desfilar pelas ruas do povoado onde nasceu, perto da fronteira com o Brasil, com um baseado na boca. “Minha família não toleraria. Meu pai poderia ter um enfarte se me visse fumando um ‘porro'”, que é como chamam o cigarro de maconha aqui. “Sou livre, mas não sou doido de afrontar os velhos”, disse ele.

Só para esclarecer. A regulamentação da lei de drogas ainda está pendente. Os uruguaios vivem numa espécie de limbo jurídico que vai durar até o dia 2 de abril, quando termina o prazo para que o governo baixe a legislação ordinária, os decretos e portarias que vão estabelecer quem vai produzir a erva e como os uruguaios vão ter acesso a ela. A lei só vai vigorar plenamente em meados de julho. Na prática, no entanto, ninguém mais vai preso por fumar ou por manter até seis plantas em casa. Mais do que isso a polícia confisca (porque ainda não há previsão legal para o cadastro dos cultivadores, que a nova legislação exige). A fonte de marihuana ainda é o narcotráfico e praticamente toda a erva é contrabandeada do Paraguai, exatamente como no Brasil. 

Não aposte numa relação pacífica entre os maconheiros e seu guru, o presidente Mujica. Ele não gosta de quem fuma — costuma chamar os usuários de “estúpidos”, o que muitas vezes coloca a equipe de assessores afinados com os ativistas em situação delicada. Mujica deixa claro o tempo todo que não quer transformar o Uruguai numa narco-república nem passar para a história como o presidente do liberou-geral. Ao contrário, quer é se livrar do tráfico internacional de drogas — um ótimo motivo, aliás, para passar por cima das cismas seculares o tolerar minimamente o fumacê.