Uruguai: falar de maconha, só com o rosto coberto

Não há mesmo nada muito diferente do Brasil aqui no Uruguai. A lei de drogas efetivamente não tornou a maconha mais popular nem socialmente aceita. Ontem mesmo, para entrevistar um consumidor, tive que dar um jeito de esconder o rosto dele. A preocupação do rapaz era com o patrão e os chefes. Disse que, se fosse identificado nas imagens, poderia ficar sem o emprego. Muita gente não contrataria um maconheiro no primeiro País do planeta a ter uma política de regulação libertária.

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Ontem eu havia dito para vocês que o clima aqui está longe, muito longe do liberou-geral de Woodstock. Não é porque será vendida em farmácias e poderá ser livremente consumida por qualquer cidadão com mais de 18 anos de idade que a maconha se transformou na queridinha dos almoços dominicais em família. Não. Um dos mais exaltados ativistas da época das Marchas da Maconha em Montevideo (houve só duas) não tem coragem de desfilar pelas ruas do povoado onde nasceu, perto da fronteira com o Brasil, com um baseado na boca. “Minha família não toleraria. Meu pai poderia ter um enfarte se me visse fumando um ‘porro'”, que é como chamam o cigarro de maconha aqui. “Sou livre, mas não sou doido de afrontar os velhos”, disse ele.

Só para esclarecer. A regulamentação da lei de drogas ainda está pendente. Os uruguaios vivem numa espécie de limbo jurídico que vai durar até o dia 2 de abril, quando termina o prazo para que o governo baixe a legislação ordinária, os decretos e portarias que vão estabelecer quem vai produzir a erva e como os uruguaios vão ter acesso a ela. A lei só vai vigorar plenamente em meados de julho. Na prática, no entanto, ninguém mais vai preso por fumar ou por manter até seis plantas em casa. Mais do que isso a polícia confisca (porque ainda não há previsão legal para o cadastro dos cultivadores, que a nova legislação exige). A fonte de marihuana ainda é o narcotráfico e praticamente toda a erva é contrabandeada do Paraguai, exatamente como no Brasil. 

Não aposte numa relação pacífica entre os maconheiros e seu guru, o presidente Mujica. Ele não gosta de quem fuma — costuma chamar os usuários de “estúpidos”, o que muitas vezes coloca a equipe de assessores afinados com os ativistas em situação delicada. Mujica deixa claro o tempo todo que não quer transformar o Uruguai numa narco-república nem passar para a história como o presidente do liberou-geral. Ao contrário, quer é se livrar do tráfico internacional de drogas — um ótimo motivo, aliás, para passar por cima das cismas seculares o tolerar minimamente o fumacê. 

 

 

O Uruguai e a maconha livre

Estou em Montevideo para produzir uma série de reportagens sobre a descriminalização da maconha neste País. Cheguei ontem à tarde. E, de cara, fiquei espantado: apesar da milhares pessoas que esperavam o por-do-sol na Rambla, a avenida à beira do Rio da Prata, não havia aqui um clima de Woodstock, como eu esperava.

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Vi apenas um casal fumando um baseado na sacada de um apartamento que fica bem em frente à janela do meu quarto de hotel. Ninguém mais. Há mais cheiro da erva no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, numa tarde de domingo, do que havia ontem na capital do Uruguai.

Aprendi pouco até aqui, mas entendi que algo descriminalizado é diferente de algo bem-vindo, aceito ou recomendado socialmente. Talvez resida nisso a esperança de sucesso da estratégia arriscada que o País adotou para tentar vencer o narcotráfico utilizando contra ele as duras leis do mercado e da competição. Agora que retirou a maconha do limbo da ilegalidade, o Uruguai vai poder tratar seus doentes e tentar convencer os que estão saudáveis de que é feio fumar maconha. Como aconteceu com o cigarro no Brasil, que hoje tem metade dos usuários de duas décadas atrás.

Conversei com algumas pessoas nas ruas para saber a opinião delas sobre a nova política para as drogas. É evidente a divisão que o tema provoca. Encontrei pessoas céticas, outras otimistas, mas ninguém apavorado com a maconha livre. Talvez a população tenha entendido a mensagem do presidente Mujica: não é a ressurreição da contracultura, como disse ele ontem a O Globo. É uma medida extrema para conter o avanço do crime organizado.

Veja só que diferença entre o que acontece aqui e o que vai na cabeça dos governantes brasileiros. Em um único ano o Uruguai resolveu o problema do aborto, da maconha e do casamento gay. A adequação  a este momento delicado da história, pautado pela fragmentação das identidades sociais e pela valorização das pautas contra-hegemônicas, vai construindo um novo País.

Enquanto isso, o narcotráfico continua corroendo as instituições e desafiando o Estado onde líderes covardes aguardam a aposentadoria para lamentar o que não fizeram a respeito do assunto. Caso clássico do Brasil de FHC e dos EUA de Bill Clinton.

Para encerrar este post, ressalto o abismo estatístico que existe entre o Brasil e Uruguai quando o assunto é o estrago provocado pela criminalidade no bem mais importante que o Estado tutela, a vida. Aqui no Uruguai os crimes de morte acontecem numa proporção de 5,9 casos para cada 100 mil habitantes. No Brasil, são 21 mortes violentas entre 100 mil habitantes. 

Maconha: PV fecha questão pela descriminalização

O Partido Verde (PV) emitiu hoje uma nota anunciando que voltará a defender uma de suas mais antigas (e menos desfraldadas) bandeiras: a descriminalização da maconha. O partido apresentou, por meio do deputado Eurico Jr. (RJ) um projeto de lei que “estabelece medidas para o controle, a plantação, o cultivo, a colheita, a produção, a aquisição, o armazenamento, a comercialização e a distribuição de maconha (cannabis sativa) e seus derivados”.

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Entre outras coisas, a proposta permite o cultivo de até seis plantas em hortas domésticas. A produção anual será limitada em 480 gramas, o que corresponde a um consumo médio mensal de 40 gramas. 

No ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou, em primeira votação, um anteprojeto de autoria do deputado Osmar Terra que vai no sentido oposto: recrudesce e alonga as penas de reclusão para traficantes de qualquer porte, prevê a internação involuntária de usuários por determinação de agentes de segurança e não fixa limites objetivos de quantidades de drogas que distinguiriam usuários de fornecedores.

A nota do PV é reproduzida na íntegra no final deste post

A TV entra no debate

Depois de décadas banida do noticiário, a discussão sobre a descriminalização — inclusive para fins recreativos — ocupa agora praticamente todos os telejornais e programas de entrevista. Hoje mesmo a TV Cultura levou ao ar um debate entre os médicos Dartiú Xavier, psiquiatra da UNIFESP,  e seu colega Renato Filev, neurobiólogo do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas da mesma universidade.Ambos são pesquisadores de longa data do assunto e defendem o uso medicinal 

O video com a reprodução do programa pode ser visto aqui embaixo. Vale a pena conhecer os argumentos dos dois especialistas.

Nota do Partido Verde

Depois de décadas de pesquisas, estudos e debates sobre o uso e a legalização da maconha, o Partido Verde apresentou, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 7187 de 2014, protocolado por Eurico Júnior (PV-RJ), que estabelece medidas para o controle, a plantação, o cultivo, a colheita, a produção, a aquisição, o armazenamento, a comercialização e a distribuição de maconha (cannabis sativa) e seus derivados.

Único partido a apresentar propostas, de forma favorável e clara, em seu programa partidário, para a legalização do consumo da maconha no Brasil, o Partido Verde defende a legalização como uma forma de proteger os habitantes do país contra os riscos decorrentes do vínculo com o comércio ilegal da maconha e com o narcotráfico, buscando, mediante a intervenção do Poder Público, enfrentar as consequências sanitárias, sociais e econômicas do uso de substâncias psicoativas, bem como reduzir a incidência do narcotráfico e do crime organizado. Além disso, o PV entende que o uso da maconha está ligada à liberdade individual.

O Projeto de Lei, protocolado em Brasília, prevê que o Poder Público também deverá ser responsável pela implantação da política de uso da maconha, dando prioridade às medidas voltadas ao controle e à regulação das substâncias psicoativas e de seus derivados, bem como às normas que têm por objetivo educar, conscientizar e proteger a sociedade contra os riscos do uso da maconha para a saúde, particularmente no que tange ao desenvolvimento da dependência, levando-se em conta os padrões da Organização Mundial da Saúde (OMS) concernentes ao consumo dos diferentes tipos de substâncias psicoativas.

A respeito da produção, cultivo e colheita, o PL 7187 deixa claro que a permissão para plantação, cultivo e colheita, em âmbito doméstico, de plantas cannabis de efeito psicoativo, para consumo individual ou compartilhado no recinto do lar, é de até seis plantas. Já o produto da colheita da plantação é fixado em até no máximo de 480 gramas anuais. Os menores de 18 anos de idade e os incapazes não poderão ter acesso à planta para uso recreativo. A violação acarretará responsabilidades penais.

O PL também enfatiza a necessidade de parceria entre o Ministério da Saúde e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas para promover políticas e mecanismos adequados para a promoção da saúde, a prevenção do uso de cannabis, bem como dispor dos meios de atenção apropriados para o assessoramento, orientação e tratamento dos usuários problemáticos de cannabis que o requeiram. Além disso, o Projeto de Lei sugere que o Ministério da Educação também seja envolvido por meio de políticas educacionais de prevenção do uso, a partir da perspectiva do desenvolvimento de habilidades para a vida.

História da maconha – Originária da África, a planta foi considerada um medicamento valioso no século XIX e nos primeiros 40 anos do século XX. Em livros de medicina brasileiros, ingleses e americanos dessa época, é possível encontrar receitas da planta para uma série de distúrbios. No Brasil, a planta chegou cedo, talvez ainda no século XVI, trazida pelos escravos – o nome “maconha” vem do idioma quimbundo, de Angola. Mas, até o século XIX, era mais usual chamar a erva de fumo-de-angola ou de diamba, nome também quimbundo. 

Antiga, ela está em toda parte. Mas, de longe sem unanimidade. Não há acordo. Uns querem destruir, outros cultivar. Tentam extinguir uma planta e sua cultura. Por séculos, a droga foi tolerada no país. Somente em 1830 o Brasil fez sua primeira lei restringindo a planta. A Câmara Municipal do Rio de Janeiro tornou ilegal a venda e o uso da droga na cidade e determinou que “os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20 000 réis, e os escravos e demais pessoas, que dele usarem, em três dias de cadeia.” Note que, nessa primeira lei proibicionista, a pena para o uso era mais rigorosa que a do traficante. Há uma razão para isso. Ao contrário do que acontece hoje, o vendedor vinha da classe média branca e o usuário era quase sempre negro e escravo.

Proibição – No início do século XX, a maconha era liberada no Brasil. Fumada nos terreiros de candomblé e nos confins do país por agricultores depois do trabalho. Na Europa, ela era associada aos imigrantes árabes e indianos e aos incômodos intelectuais boêmios. Nos Estados Unidos, quem fumava eram os mexicanos que imigraram a procura de trabalho. Ou seja, no Ocidente, fumar maconha era relegado a classes marginalizadas e visto com antipatia pela classe média branca. Por outro lado, tinha grande importância econômica: remédios, papel, tecidos, cordas, velas de barco, redes de pesca, entre outras funções. As plantações de cânhamo tomavam áreas imensas na Europa e nos Estados Unidos. Com a Lei Seca nos Estados Unidos, a maconha se tornava cada dia mais popular. Com o desenvolvimento de produtos a partir do petróleo: aditivos para combustíveis, plásticos, fibras sintéticas como o náilon e processos químicos para a fabricação de papel feito de madeira, iniciou-se a disputa direta de mercado com o cânhamo.

A proibição tornou-se uma forma de controle internacional por parte dos Estados Unidos, especialmente depois de 1961, quando uma convenção da ONU determinou que as drogas são ruins para a saúde e o bem-estar da humanidade e, portanto, eram necessárias ações coordenadas e universais para reprimir seu uso. Abriu-se então a brecha que os EUA precisavam para intervenções militares e pretexto para entrar em outros países e exercer os seus interesses políticos e econômicos.

Fernando Rodrigues: 57% dos brasileiros apoiam maconha medicinal

A legalização da venda da maconha para fins medicinais, com a apresentação de uma receita médica, é defendida por 57% dos brasileiros, segundo levantamento da empresa Expertise.

Iniciativas mais radicais, como a legalização para uso recreativo, adotada pelo Uruguai, não têm apoio dos brasileiros. Segundo a pesquisa, apenas 19% dos entrevistados são favoráveis à liberação total da erva.

An Initiative To Legalize Marijuana In California To Appear On Nov. Ballot

A maconha deve continuar totalmente proibida para 37% dos entrevistados e 6% não têm opinião formada sobre o tema. Foram realizadas 1.259 entrevistas online nos dias 24 a 27.jan.2014 e a margem de erro é de 2,8 pontos percentuais. Os entrevistados são selecionados a partir de uma base de dados da empresa com informações sobre endereço, idade e sexo e convidados a responder o questionário por e-mail, em troca de prêmios.

O apoio à venda da Cannabis sativa apenas para fins medicinais está em sintonia com a experiência de 21 Estados norte-americanos que regulamentaram o comércio da substância nessas condições. Médicos afirmam que a erva pode aliviar sintomasde diversas doenças, como AIDS, câncer e esclerose múltipla.

O temor popular de que experimentar a maconha uma vez condena o usuário ao vício não se confirma, segundo a pesquisa. Entre os entrevistados, 26% disseram ter usado a erva pelo menos uma vez na vida, dos quais 83% não a fumam mais atualmente. Apenas 4% dos que já fumaram um baseado –ou 1% da população total– disseram fazer uso diário da droga.

Em 2013, a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) divulgou um estudo com resultados distintos dos apresentados pela Expertise. Segundo essa pesquisa, feita presencialmente com 4.607 indivíduos, 7% dos brasileiros afirmaram já ter usado maconha. O estudo da Unifesp também aponta que 75% dos brasileiros eram contrários à legalização da maconha, mas o questionário não diferenciava o uso medicinal do recreativo.

Há 2 semanas, o Senado começou a discutir uma proposta que legaliza o consumo da maconha para todas as finalidades. A iniciativa partiu de um gestor da área da saúde, que publicou o texto no site do Senado e obteve apoio de 20 mil pessoas. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), relator da proposta, disse não ter “simpatia” nem “preconceito” a respeito da legalização, mas afirma que o Congresso não pode se negar a discutir o tema.

Percepções

Os brasileiros que já experimentaram a maconha são mais otimistas em relação aos seus efeitos sobre a saúde do que os que nunca fumaram. Há um fosso entre as percepções dos 2 grupos, segundo a pesquisa da Expertise.

A droga é “muito prejudicial, com total chance de vício” na opinião de 85% dos que nunca fumaram maconha. Entre os que já usaram a droga, essa taxa cai para 15%.

Entre os que nunca experimentaram a erva, 83% apoiam a sua criminalização total. No grupo dos que já fumaram um baseado, apenas 17% defendem que seu uso continue proibido.

Considerando os brasileiros que não usaram a erva, 40% a consideram menos prejudicial do que o álcool. Entre os que já a experimentaram, a taxa é de 60%.

Os resultados da pesquisa da Expertise não devem ser entendidos como uma guinada liberal do brasileiro em relação a todas as drogas. Segundo pesquisa Datafolha de 2013 sobre o perfil ideológico da população, 83% avaliam que o uso de drogas deve ser proibido, pois “prejudica toda a sociedade”.

O levantamento da Expertise, contudo, identifica uma maior abertura ao debate sobre a legalização da maconha para uso medicinal.

O blog do Fernando Rodrigues está no Twitter e no Facebook.

A cerveja Proibida e o limite entre publicidade e apologia

Imagine a seguinte situação: Todos os dias um cantor famoso de música sertaneja entra na casa de milhões de famílias para convencer as  pessoas mais susceptíveis a consumir um determinado tipo de droga. O grande apelo é a uma condição, que parece ser imanente ao produto: a  proibição. A droga em questão é devastadora. Estima-se que cerca de 13 % da população sejam adictos a ela, que é responsável ou está presente em 3 a cada 4 acidentes de trânsito, em quase todos os homicídios eventuais, casos de agressão contra mulheres e crianças. 

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Se você acha essa imagem absurda, saiba que ela existe no mundo simbólico, mas também no real. Trata-se de uma campanha publicitária de uma nova marca de cerveja.  O dublê de cantor  e garoto-propaganda é Leonardo. A droga é o álcool contido na cerveja que ele anuncia. A marca contém o bordão: Proibida.  

Eu não a conhecia e imagino que boa parte dos consumidores brasileiros também não. Passei a conhecer agora, no filmete que está sendo veiculado na TV. Não sei se a cerveja é boa ou não, mas a maneira com que se apresentou foi bem heterodoxa.  A começar pela escolha do nome.

A cerveja, ainda que contenha álcool, não é uma droga proibida no Brasil — a não ser para menores de idade e para quem pretende dirigir. Há pelo menos dez países onde beber uma cerveja pode dar cadeia. Experimente abrir uma latinha nos Emirados Árabes,  Irã ou Kuwait. Vão olhar para você como se você estivesse fumando uma pedra de crack.  

Penso que só faz sentido uma cerveja se chamar “Proibida” num lugar desses: países muçulmanos que baniram o uso e a venda de álcool. Aí, sim, estaria mais do que justificada a alusão a algo que se deve fruir secretamente, dissimuladamente,  que o Estado deve obstar, vedar, impedir,… proibir.

Em 1920 os Estados Unidos proibiram o álcool para, supostamente, combater a violência.  Os engarrafadores de destilados perderam o status de industriais bem-quistos socialmente e passaram a ser caçados como traficantes. O álcool proibido gerou ainda mais  impactos  deletérios do  que produzia na legalidade. A consequência mais importante da Lei Seca foi a organização da máfia em torno do contrabando de bebidas. 

No Brasil do século XXI, fábrica de cerveja não produz droga proibida. Produz droga legal. Em relação aos produtores de estupefacientes ilícitos, os fabricantes de bebidas gozam de uma série de privilégios e franquias que lhes permitem mover suas indústrias à luz do dia,  dentro da legalidade, distribuir a produção por meio de uma rede lícita de comerciantes, gerar empregos e arrecadar impostos. 

Diante disso, pergunto: que vantagem a alusão a algo ‘proibido’ poderia trazer a essa cerveja ? Ou,  de outra forma, que vantagem ofereceria a cerveja a seu consumidor ao aduzir a algo proibido  — a ponto de,  em detrimento de todas as outras,  fazê-lo optar por aquela marca ? 

“O consumidor compra o conceito, a marca, não o produto”, reza o bordão publicitário. E por que ‘Proibida’ ? Obviamente, porque há alguma identificação entre o consumidor e o conceito. Imagine, por exemplo, o efeito poderoso desse bordão sobre o metabolismo de um motorista  alcoólatra.  “Dá uma Proibida aí!”, diria ele ao balconista do bar de beira de estrada na parada para abastecer o caminhão. Nessa situação hipotética, o nome e o conceito que ele encerra estariam plenamente adequados e justificados. 

Mas como os adolescentes vão decodificar a mensagem contida nessa campanha  publicitária ? Para eles, qualquer cerveja é rigorosamente proibida em qualquer situação. Ocorre que, segundo a Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar do IBGE, 71,4% dos adolescentes com idade entre 13 e 15 anos já experimentaram bebidas alcoólicas. Mas repare: apenas 15,8% conseguiram o álcool com amigos. Todos os demais, três em cada quatro, obtiveram a droga em lojas, bares e supermercados. A maioria absoluta, em festas.

Não é difícil perceber a vulnerabilidade desse segmento da nossa população. Os mais jovens, que deveriam estar efetivamente sob proteção do Estado e a salvo da drogadição, bebem em qualquer lugar. Muitas vezes, com a condescendência — e até o incentivo descarado — da família. Assim, esses jovens acabam formando uma boa parte da clientela das indústrias de bebidas, que indisfarçavelmente nutrem interesses por esse segmento do mercado. Nas baladas do centro rico das metrópoles, eles consomem desbragadamente os ‘ices’, que são bebidas alcoólicas com gosto de refrigerante; nas da periferia, misturam vodka barata com refrigerante. 

É aí que o apelo da cerveja Proibida cai como uma luva: no seio do público adolescente. Para eles, o álcool se equipara a todos os estupefacientes em sua imanente ilegalidade: é tão proibido quanto a maconha, a cocaína e o crack. O fato de ser liberado para os maiores de dezoito anos não o torna legal nem moralmente aceitável para essa faixa etária. Mas cria uma empatia mercadológica com a ânimo transgressor característico da adolescência.Quanto mais proibida, mais atraente se torna a cerveja para quem não pode, mas vai bebê-la.

À medida em que ganha ao se aproximar do que é ilegal — e com a vantagem de não sê-lo — a campanha da cerveja Proibida também se aproxima do limite tênue entre publicidade e apologia.No campo do direito, isso faz uma enorme diferença. No da publicidade, talvez nem tanto. Mas é no campo da ética que se situa o discussão. E essa dubiedade oferecida por um produto que é uma droga, mas não ilegal, e uma campanha que é publicidade, mas também tem um caráter apologético, que pauta o problema.

Como a publicidade no Brasil é auto-regulada, com a palavra o CONAR.

Maconha pelas razões erradas, por Hélio Schwartsman

É claro que cada um é livre para defender o que achar melhor, mas devo dizer que algo me incomoda na estratégia de grupos de ativistas de pressionar pela legalização da maconha com base em suas propriedades medicinais.

Não me entendam mal. Sou pela legalização não só da maconha como de todas as drogas. É fato ainda que a Cannabis apresenta várias moléculas de interesse médico, que deveriam ser exploradas clinicamente.

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O que não me parece muito certo na tática escolhida é que ela aposta na corrosão das normas e não em sua modificação, como seria mais honesto. Foi este o caso de alguns Estados norte-americanos, que passaram a admitir o uso de maconha em contexto médico e logo viram surgir uma indústria de consultas com profissionais de saúde cujo único intuito era encontrar uma “moléstia” que justificasse a emissão da carteirinha de usuário para qualquer um que desejasse. Com ela, o paciente poderia comprar a erva para tratar quase tudo, de dor nas costas a caquexia.

Não gosto desse caminho por várias razões. A mais trivial é que ele contribui para esvaziar a própria noção de lei. Apesar da miríade de normas estúpidas que assola o mundo, a ideia de que a sociedade pode impor regras que valem para todos os membros ainda é fundamental.

Também me parece ruim associar a maconha com remédio. Isso pode fazer com que se perca de vista que se trata de uma droga, ou seja, que vem com uma porção de efeitos colaterais que podem ser danosos.

Mais importante, a estratégia de comer pelas beiradas faz com que as pessoas deixem de travar o bom combate. Ao circunscrever o debate da legalização apenas à maconha e pelas razões erradas, perde-se a oportunidade de formular o argumento essencial, a saber, que o Estado não tem legitimidade para decidir o que um cidadão, de posse das informações relevantes e sem prejudicar terceiros, pode fazer consigo mesmo.

helio@uol.com.br

Leia o texto no site da Folha de São Paulo, onde foi originalmente publicado

Um bom vídeo da marcha da maconha para fazer você pensar: baseado em quê ?

 

O tema é tão polêmico que  não conheço um só vivente que não tenha opinião formada a respeito: a descriminalização da maconha. O editor deste blog também tem a sua própria opinião: é a favor da descriminalização da maconha para qualquer fim. Agora chega de falar de mim mesmo na terceira pessoa.

Em respeito aos que divergem de mim, aceito todas as opiniões como legítimas. Até mesmo aquelas em que se pode  identificar claramente a carga de preconceitos, produto de uma campanha intensa de desinformação que já dura mais de 80 anos. 

Conheci outro dia uma senhora cujo filho tem esclerose múltipla. Há 15 anos ele usa a maconha para aliviar as dores e se manter a saudável. Quinze anos. Essa senhora diz ter consciência de  que o filho só está vivo, bem de saúde e produtivo por causa da erva. Mas nem isso faz com que ela aceite o fato de o filho ser um maconheiro.

Os organizadores da Marcha da Maconha produziram um bom vídeo onde alinhavam seus argumentos. Quem é a favor, como eu, vai encontrar ali motivos para reafirmar suas crenças. Mas quem é contra talvez também consiga extrair elementos para fortalecer sua posição.

De um jeito ou de outro, vale a pena assistir.  O debate vai esquentar nos próximos dias, quando a Comissão de Constituição e Justiça votar o substitutivo do senador sergipano Antônio Carlos Valadares (PSB) ao projeto do deputado Osmar Terra (Solidariedade).

É bom você estar afiado para defender o seu ponto-de-vista.